maio 26, 2020

Porta nº3

Juliana levantou cedo e deu uma olhada na janela. Um dia lindo de sol. 
Abriu a janela. Corria uma brisa fresca, muito agradável. Uma manhã perfeita pra uma prática de yoga.
Há dias andava aflita. As notícias em geral não eram muito boas. Estava entrando numa derrocada em espiral em tantos aspectos...
Precisava achar uma saída.
Uma amiga, sabendo dos seus problemas, a convidou para participar de uma prática de yoga online que ela vinha ministrando. Juliana topou. Com a diminuição da demanda no trabalho motivada pela crise acabava tendo muito tempo livre. Tempo livre até demais. Sua cabeça já não era mais oficina, era um coworking pro diabo e seus comparsas.
Estava há cinco noites sem dormir, fazendo cosplay de bife na cama, morrendo de sono durante o dia, parecia a garota-propaganda da Naldecon. Só que as dores de cabeça e no corpo eram produto de puro estresse. Nada de gripe. Era puro suco de nervoso. Não consegui pensar em outra coisa além de na falência, de ter que voltar a viver com a mãe maluca, a não ter mais a independência financeira pela qual lutou tanto. 
Visualizava seu despejo, seus móveis jogados no meio da rua, sem nem ter como pagar um frete pra levar as coisas pra casa da mãe.
Uma vez, ela viu uma cena em plena Avenida Atlântica. Uma senhora muito dignamente sentada no chão, lendo um livro, entre os bancos de concreto, no meio de todas as suas coisas, um cachorrinho confortavelmente sentadinho em cima de um cobertor. “Logo eu serei essa senhora”, ela pensou.
Era iminente. Mas não conseguia sair dessa. Não conseguia pensar numa solução. Só ficava se debatendo na areia movediça dos seus problemas.
Era um colapso. Seu medo tinha virado sua prisão.
Baixou o aplicativo. Tomou um chá. Entrou na sala na hora combinada. 
Fez todos os asanas, da melhor forma que pode. Respirou, inspirou, expirou, esticou, contorceu, suou, doeu. Doeu demais. Estava toda dura.
Chegou no asana final, Shavásana. Deitada, com a barriga pra cima, foi relaxando músculo por músculo, seguindo a voz da amiga que saía do  computador.
Relaxou as pernas, o tornozelo, o dedinho do pé, a pelve...os ombros...o braço direito, o esquerdo...o mindinho esquerdo, a sobrancelha direita, o couro cabeludo.
Ommmmmmmmmmmmmmmm.
-Muito bem, pessoal, vamos voltar à posição inicial!
Em toda as janelinhas da videoconferência as alunas se mexem, estica e puxam. 
A janelinha da Juliana sem movimento algum. Tá lá um corpo estendido no chão.
A professora chama. Mais uma vez. De novo. Risos. Tentou de novo. A voz deu uma embargada.
Não dá pra ver o rosto da Juliana no vídeo, mas ela sorri.
Ela escuta uns chamados ao longe, vindo de trás de um arbusto. Ela está em outro lugar. Um lugar simples, bonito, sem muita imaginação. Mas é qualquer lugar que não lá.
As janelinhas das outras alunas são puro desespero. A professora pega o telefone pra ligar pra Juliana. Nada.
Tem um telefone desconectado no meio de um milharal, que toca sem parar. Juliana vai até lá, levanta ele do chão e joga longe na plantação.
Ri desenfreadamente.
Terá enlouquecido?
Não. Só estou livre, ela pensou.
Eu achei a saída.

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