dezembro 18, 2011

De onde eu vim?

Certeza que não foi daqui.
Eu gosto daqui e aqui gosta de mim,
mas nosso gostar foi um aprendizado.
Foi um fardo pesado, piano arrastado
pelos quarteirões das minhas novas ruas
esse aprender a gostar daqui.
Mas aconteceu e agora aqui não sai de mim.

Eu saí de lá, mas lá não saiu de mim.
E eu espero que seja sempre assim.
Mas ainda pergunto,
ainda me perguntam
de onde eu vim?

Eu vim de um trecho de caminho
em que ninguém anda sozinho,
acompanhado de gente e de boizinhos,
comendo revirado em beira de estrada.

Eu vim de uma flor de macela
que brotou na beira dessa estrada
e lá hoje habitam sorrisos do passado
que tornaram-se fotografias irreconhecíveis.
De pessoas irreconhecíveis.

São os mesmos rostos, mas não os mesmos sorrisos...

Eu vim de uma flor de macieira enregelada,
velada por olhos tristes e caridosos
que ainda esperam por mim,
ansiando por um afago que antes me foi dado
e agora posso, devo e quero retribuir.

Eu vim da terra, que abriga meu umbigo.
E do meu umbigo brotou um mundo inteiro,
recheado de araucárias, onde ficam trepadas catorritas
que gritam, gritam, gritam o dia todo e no fim da tarde!
Anunciando que ainda tem gente pra chegar...

Eu sou de todo lugar.
Parece injusto então, permanecer noutro lugar
e neste lugar só.

Mas eu não escolhi vir de todo lugar
e sabe lá onde irei parar!

Rio de Janeiro, 15/12/11

junho 05, 2011

Da poesia imortal

Mesmo quando o tempo corre
a poesia ocorre.
Pois se ela não acontece
quem é que me socorre?

Se a poesia não ocorre
uma parte de mim morre
e o tempo roe roe roe
as cordas que sustentam
as pontes que levam à felicidade,
que me levam à paz.

Mesmo o tempo sendo este roedor voraz,
paraliso o ratinho
a fim de dispensá-lo a favor da letra,
que no papel também corre.

Porque mesmo quando o rato corre
e foge desesperado no horizonte,
mesmo quando o tempo corre
levando do poeta a vida,
nem assim a poesia morre.

maio 25, 2011

Estações

É no pinga-pinga da chuva
que traço as aquarelas da minha primavera.

Foi com o cinzento da névoa
que pintei tantas telas,
implorando por um raio de sol!

E é no frêmito escaldante
de um eterno veranico de maio
que hoje vivo contigo este amor impudico.

Vila Valqueire, 30 de março de 2010.

maio 07, 2011

querência



É nas palavras simples
e em versos sussurrados
que encontro serenidade
para meu coração cansado.

Já não posso mais com rimas
esdrúxulas, estruturadas!

Desejo a paz do cricrilar dos grilos
e de perpassar o campo de uma só passada!

Foto: flickr - xuxudrops

abril 08, 2011

Wellington, o novo Macunaíma

Este é um momento de dor para todos nós brasileiros, pois todos nós ou temos filhos ou irmãos, sobrinhos e primos que estudam e estão sob proteção do Estado quando frequentam suas escolas (públicas). Nunca desconfiamos que neste ambiente nossas crianças poderão estar em perigo. Porém, não contamos também que um colega de classe tímido, introvertido e vítima de brincadeirinhas ocasionais dos outros alunos seja alguém que precisa de atenção, carinho e um ombro amigo. Não imaginamos que essa pessoa, por falta de carinho e atenção, um dia alcance um nível de stress psicológico tão grande que deixa de ser um ser humano capaz de empatia com o sofrimento de outras pessoas.
Quando uma pessoa com este perfil comete uma loucura como essa, não devemos alimentar sentimentos de ódio e vingança, apenas de piedade por este espírito perturbado, a quem provavelmente faltou a compreensão do amor e do carinho que sua família lhe deu durante sua formação.
É lamentável quando uma pessoa sem amor distribui a desgraça dentre pessoas que se amavam, como é Wellington fez com essas crianças e seus pais, vizinhos, amigos e parentes. Pior ainda e incompreensível quando é uma pessoa que teve o amor de seus familiares.
Às famílias vítimas dos ideais errôneos desse menino - menino porque quantos de nós temos filhos de 20 e poucos anos e ainda os consideramos meninos - merecem todo tipo de oração, solidadariedade, apoio e vibrações positivas pra que possam seguir suas vidas APESAR da tragédia.
Embora à custa de vidas inocentes, vejo que Wellington agora é uma espécie de anti-herói. Não por que ele é o vilão, mas porque ele é o herói ao avesso. Há quanto tempo nossas autoridades e até mesmo nós, a sociedade, não nos insurgíamos quanto à falta de segurança nas nossas escolas, contra a qualidade de ensino precário, quanto às condições terríveis de trabalho de nossos professores, quanto a atenção dada ao futuro de nosso país, as crianças?
Desde quando a sociedade discute o problema do bullying seriamente?
Esta loucura que Wellington Pereira de Menezes cometeu pode ter sido o gatilho para que venhamos a levar a questão da educação e do tratamento oferecido por nós, sociedade e iniciativa privada, e pelo Estado à questão da educação em lato sensu mais a sério, com a seriedade, responsablidade e o compromisso que merece.
Vai ver a gente precisava de um chacolhão pra entender que nossas cranças estão abandonadas à própria sorte! Será que não é esse o momento de resgatá-las?
Se pudermos repensar e debater todas essas questões, procurar soluções e cobrar atitudes de nossos governantes, estas crianças serão mártires, mas Wellington será um marco.
No final, a resposta é uma só: AMOR.

abril 06, 2011

A verdade é que...

mesmo que nasça escrevendo,
cresça escrevendo,
se reproduza escrevendo,
nunca se desvenda
a totalidade do poeta.

A graça de sua doação
reside no mistério
de não ser total.

Será?

Foto: Débora Gauziski - http://migre.me/4EYcc

fevereiro 27, 2011

conexão

Ele não viu as minhas mensagens.
Nossos celulares estavam em área de sombra.

Eu não vi seus sinais.
Meu coração estava fora de área.

janeiro 15, 2011

Oriente ao Ocidente

Arte por Aline Molinari - http://migre.me/3FwiX



Eia! Maestrina dos ventos mongóis,
rainha das monções!
Dona dos lufares de cores
âmbar, púrpura e encarnada
que sedimenta a ruína sede
da arte orquestrada!

Embuída das notas psicotrópicas,
nascedouro das pinceladas da sanidade,
ninho da aurora dos retratos da minha cidade,
que é vossa, que é nossa,
fossa cidade.

Aquela que governa, desvairadamente serena
as palmeiras, cantilenas dos trópicos.
Governa, lacera e macera
em teu ventre bojudo de amor
e sorrisos cheios de ardil
a fome e a dor lancinante sem nome
máquina de amar sem quê,
quando, nem onde
Pra sempre tu,
artista do meu Brasil!

Refletidos